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O Ministério Público de Goiás está pedindo na Justiça, como tutela de evidência, a suspensão do decreto da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), que concedeu à primeira-dama do Estado, Valéria Perillo, aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social. É pedida ainda na ação a suspensão dos efeitos dos atos de admissão de Valéria Perillo, sem concurso público, no cargo de pesquisador legislativo. No mérito, é requerida a anulação dos atos (clique aqui para a íntegra).
Assinam a ação a promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, da 90ª Promotoria de Justiça de Goiânia, e os promotores de Justiça do Grupo Especial de Combate à Corrupção do Ministério Público de Goiás (Gecoc) Rodrigo César Bolleli, Felipe Oltramari e Rafael Simonetti.
Segundo apontado na ação, foram levadas à 90ª Promotoria notícias de irregularidades no exercício do cargo público ocupado por Valéria Perillo na Assembleia Legislativa, no âmbito dos autos da Operação Poltergeist (veja sobre a operação no Saiba Mais). Desse modo, iniciou-se a apuração dos fatos, sendo constatado que a primeira-dama foi contratada em regime celetista pela Alego, em 12 de junho de 1986, sem submissão a concurso público, para desempenhar a função de pesquisador legislativo, constante no Quadro Especial de Empregos Permanentes.
Ocorre que, em 12 de maio de 1988, o Decreto Administrativo nº 1.275 possibilitou que a servidora fosse enquadrada, por transposição e em caráter efetivo, no cargo de assistente administrativo. E, em maio de 1999, foi editado o Decreto Administrativo nº 1.821, por meio do qual Valéria Perillo foi novamente enquadrada no cargo de assistente legislativo.
Ou seja, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ela foi mantida no cargo de assistente administrativo, em “caráter efetivo”, sem que se submetesse a concurso público. Conforme argumenta o MP, esta situação é uma afronta ao artigo 37 da Constituição, que prevê a aprovação em concurso para a investidura em cargo público.
Além de não ter se submetido a concurso público antes ou depois da promulgação da Constituição, Valéria não fazia jus à estabilidade prevista no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), uma vez que foi admitida em junho de 1986. Por este dispositivo, foram considerados estáveis somente os servidores que estivessem há pelo menos cinco anos continuados no serviço público, o que não corresponde à situação da servidora.
Para a promotora, “o ato de admissão é, à luz da Constituição Federal de 1988, inexistente”. Com esta argumentação, os promotores ponderam que os atos de “transposição” e de “efetivação” no cargo de assistente administrativo igualmente não encontram fundamento de validade constitucional. Desse modo, ela requer, ainda em antecipação de tutela, a suspensão do ato de transposição para o cargo de assistente administrativo, posteriormente classificado como assistente legislativo, e do ato de efetivação nesse cargo.
Aposentadoria
Conforme sustentado pelos integrantes do MP, o vínculo com a administração pública, decorrente da aprovação em concurso público é condição para que o servidor possa se filiar validamente ao Regime Próprio de Previdência Social. Apesar disso, foi concedida aposentadoria a Valéria Perillo em 24 de novembro de 2015. O valor bruto dos proventos de aposentadoria soma R$ 15.206,43.
Consta ainda da apuração feita pela MP que, à aposentadoria com proventos integrais, foi incorporada a Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI), no valor de R$ 7.602,53, obtida com base na Lei nº 15.614/2006.
Contudo, esta lei foi julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Goiás na Ação Direta de Inconstitucionalidade 274681-82.2010.8.09.0000. No acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que a norma ofendia o princípio da impessoalidade, da isonomia e da moralidade administrativa, previstos no caput do artigo 92 da Constituição Estadual, por privilegiar indevidamente um grupo de servidores, entre estes, a primeira-dama do Estado.
De acordo com a ação, é impositivo o reconhecimento da nulidade (inexistência) do vínculo laboral de Valéria Perillo com a administração pública estadual, assim como o ato de aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social. O argumento é que o Supremo Tribunal Federal, nas diversas ocasiões em que foi chamado a se pronunciar sobre a validade de investiduras em cargos públicos realizadas antes ou depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, sem concurso público, ausente a situação excepcional descrita no artigo 19 do ADCT, reconheceu a nulidade de tais vínculos, em razão da violação ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.
“Firmou o Supremo Tribunal Federal, mais recentemente, o entendimento no sentido de que o vício de ato administrativo flagrantemente inconstitucional pode ser reconhecido a qualquer tempo. Afastou-se, assim, a possibilidade de eventual convalidação do ato, fundada em argumentos de segurança jurídica”, observam os promotores. Eles ainda acrescentam: “Não é possível admitir que a postura de gestores públicos, descomprometidos com a coisa pública e movidos por razões outras que não o interesse público, de manter uma situação flagrantemente inconstitucional, com o fim único de atender a interesses particulares, tenha força derrogatória da Constituição e possa ser invocada como argumento para, a pretexto de garantir uma falsa ‘segurança jurídica’ ‘convalidar’ o ato inexistente à luz de uma ordem constitucional”.
Portanto, em razão da necessidade de fazer cessar a situação inconstitucional e o dano ao erário estadual, o MP asseverou ser imperiosa a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, fundada na evidência, para suspender os efeitos do Decreto de 24 de novembro de 2015, que concedeu a Valéria Perillo a aposentadoria integral, em decorrência de um vínculo inexistente com a administração pública estadual, bem como do respectivo registro efetivado pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás.
Obrigações ao Estado
Apenas na hipótese de não ser acolhido o pedido de tutela provisória (fundada na urgência ou na evidência), o Ministério Público requereu que sejam antecipados os efeitos da tutela a fim de suspender o pagamento, nos proventos de aposentadoria ou da remuneração de Valéria Perillo, da parcela relativa à VPNI, uma vez que seu pagamento não encontra fundamento legal, já que a Lei 15.614/2006, que a concedeu, foi declarada inconstitucional. A decisão, não mais sujeita a recurso, desconstituiu ainda os atos administrativos de incorporação decorrentes da lei, a partir de 11 de maio de 2010.
Tendo em vista informações de que outras pessoas, alcançadas pela Lei 15.614/2006, continuaram a receber a VPNI após 11 de maio de 2010, bem como incorporaram-na aos proventos de aposentadoria, a promotora requereu a imposição ao Estado de Goiás (também réu na ação) da obrigação de fazer consistente em identificar todos os servidores públicos que se beneficiaram da norma e glosar da remuneração ou dos proventos de aposentadoria, caso já deferida, a parcela relativa à VPNI.
É pedido ainda que o Estado de Goiás seja obrigado a fazer o desconto, a título de restituição, no contracheque dos beneficiários, dos valores que tiverem sido pagos de forma indevida, a partir de 11 de maio de 2010, a título de VPNI, limitado ao período de 5 anos.
Pedidos
No mérito da ação, é pedida a declaração de nulidade do ato de admissão de Valéria Perillo no cargo de pesquisador legislativo da Alego, do ato de transposição para o cargo de assistente administrativo, bem como do ato de efetivação nesse cargo. Também é requerida a declaração de nulidade do decreto que concedeu a aposentadoria à servidora.
Não sendo acolhidos os pedidos anteriores, que seja declarada a inconstitucionalidade e ilegalidade da incorporação aos proventos de aposentadoria de Valéria Perillo da parcela relativa à VPNI, com a respectiva exclusão da parcela dos proventos de aposentadoria.
Ao Estado de Goiás é exigida a imposição da obrigação de identificar os beneficiários da Lei nº 15.614 e excluir da sua remuneração ou proventos de aposentadoria, caso já concedida, os valores pagos a título de VPNI e que seja feito o desconto, a título de restituição, no contracheque do beneficiário, limitado ao período de 5 anos.
Por fim, é pedido que Valéria Perillo seja condenada a restituir ao Estado de Goiás os valores recebidos indevidamente, por meio da VPNI, após 11 de março de 2010, limitados ao período de 5 anos, até a data da propositura da ação, os quais totalizam R$ 378.235,81, e todos os valores que, porventura, forem pagos a partir da propositura da ação (a título de VPNI), corrigidos monetariamente.