(Foto: Reprodução)
20 de fevereiro de 1986. A data ficou na história. Foi quando ingressou a primeira turma de mulheres na Polícia Militar do Estado de Goiás. Entre elas estava Silvana Rosa de Jesus Ramos, hoje aos 50 anos de idade, tenente-coronel e comandante da Base Administrativa do 1º Batalhão da PM, em Goiânia. Ela lembra que o primeiro Concurso Público exigia Ensino Médio e foram abertas cem vagas. No total, 1.116 mulheres se inscreveram, 103 foram matriculadas e 99 se formaram.
As candidatas deveriam ter de 18 a 26 anos, altura mínima de 1,60 m, solteiras, viúvas ou legalmente separadas e, se tivessem filhos, eram obrigadas a transferir a guarda para terceiros. O sacrifício não parava por aí. Nos próximos dois anos, elas não poderiam se casar. A seleção era feita mediante aplicação de prova intelectual, avaliação médica, teste de aptidão física e avaliação psicológica.
O ingresso de Silvana foi por acaso. Ela conta que precisava trabalhar para pagar a faculdade de Direito e na época não tinha oferta de bolsas como atualmente. No começo, as policiais femininas ou PFEMs, como são chamadas pelos colegas de profissão, exerciam um papel figurativo, faziam o serviço de guarda no Aeroporto de Goiânia, Rodoviária, no trânsito, etc.
Trabalhavam sempre em duplas, prestando informações à população, mas não faziam abordagens. Usavam saias. A calça foi fazer parte do fardamento somente a partir da segunda ou terceira turma, pelo que se recorda. Havia outra restrição. “Depois das 22 horas, a aluna (do curso de formação) que fosse pega fora da residência respondia a uma sindicância”, comenta.
E não era só isso. Elas também só podiam usar cores claras de esmalte e de maquiagem. Nada de sombra escura nos olhos e batom vermelho. Apesar dos obstáculos, Silvana foi gostando do que encontrou, do ambiente de trabalho e se identificou. Já como sargento, decidiu concorrer ao Curso de Formação de Oficiais (CFO) em 1989, o primeiro a abrir vaga para mulheres – apenas quatro – que concluiu em 1991. Em seguida, seu destino foi a então recém-criada Companhia Independente Feminina. As promoções na corporação seguem dois critérios: mérito e antiguidade. Para se ter uma ideia, de aspirante a primeiro-tenente, foram 11 anos. Hoje, ostenta três insígnias no ombro e duas estrelas. Patente alta.
Segundo ela, em uma corporação dominada por homens, pela hierarquia e regras rígidas, para conseguir a ascensão na carreira e o reconhecimento, as mulheres precisam se esforçar mais e mostrar a que vieram. “É uma necessidade de afirmação. Para dizermos que estamos em pé de igualdade com eles, temos de mostrar que somos capazes”, diz. Hoje no comando de um efetivo formado por 139 homens e mulheres da Base Administrativa e também da Patrulha Maria da Penha, Silvana sente orgulho de fazer parte da corporação e acredita que houve um grande avanço nesses 30 anos. ”Entrei para ser soldado e pagar a minha faculdade, mas fui gostando e me identificando. Hoje as mulheres estão em todas as unidades, batalhões, tropas especializadas, nos quadros de saúde e quadros oficiais da administração”, avalia.
Bomba! Ela desafia o perigo
Que polícia é uma profissão de alto risco, todo mundo sabe. Mas Raquel Cavalcante Campos, de 31 anos, foi além no desafio, somando a isso boas doses de adrenalina e perigo. Graças a esse espírito, ela é a primeira mulher do País a comandar um Esquadrão Antibombas – do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Diferente de Silvana, Raquel já estava obstinada desde cedo a exercer o ofício, vestir a farda e portar uma arma na cintura. O sonho foi acalentado na infância.
“Quando eu tinha um aninho, a minha tia entrou na segunda turma da PFEM como soldado. Ela me levava para a Academia para assistir às solenidades. Eu tenho foto pequenininha lá no pátio e sempre assistia aos desfiles dela do 7 de setembro e de 24 de outubro, e aí isso foi ficando enraizado no meu subconsciente. Quando completei 14 anos, prestei o primeiro concurso para o Colégio Militar (a seleção era por concurso e não sorteio como é hoje) em 1999, fui aprovada, concluí o Ensino Médio lá e quando a gente terminava o Ensino Médio, a gente tinha opção de prestar o concurso para a Polícia Militar, principalmente para oficial. Mas quando eu terminei, passaram a exigir o curso de Direito e aí eu fui fazer o curso”, relata.
A formatura em Direito foi em 2008 e em 2010, a tão aguardada chance de fazer parte da corporação que ela agarrou “com unhas e dentes”. Tanto que no mesmo dia fez duas provas, a do Curso de Formação de Praças (CFP) pela manhã e o CFO à tarde. Passou em ambos. Veio primeiro a convocação para o CFP e quando já era soldado, foi chamada para iniciar o curso de oficiais, com dois anos de duração. “Aí fiquei na rua, dando cadeia, pulando muro, prendendo ladrão”, conta com a maior naturalidade.
Mas Raquel ainda não estava satisfeita. Ela sonhava integrar uma tropa especializada e assim que foi lançado, no final de 2013, o edital do Curso de Técnico Explosivista da antiga Companhia de Operações Especiais (COE) que foi transformada no Batalhão de Operações Especiais (Bope), lá foi ela. Isso mesmo! Pasmem! Uma mulher, lidar com bomba…quem diria?! “Eu sempre gostei de mexer com essa área. Quando trabalhava nos jogos no Serra Dourada, acabava lidando com essa parte de fogos de artifício, bombas… até mesmo porque era uma área que tinha uma escassez de efetivo”, explica. Ela foi a primeira colocada no treinamento, à frente de outra mulher. São só as duas na tropa.
Questionada se já sofreu algum tipo de preconceito, Raquel lembra de um episódio engraçado ocorrido em Hidrolândia, durante tentativa de explosão de um caixa eletrônico. Ela foi com a equipe até a cidade e vestiu a roupa especial para entrar na agência, remover o artefato e fazer a destruição. Um colega lhe disse depois que um popular que observou toda a ação havia comentado, admirado: “Esse homem é forte”. O colega, no entanto, retrucou, e disse que se tratava de uma mulher, que era tenente e comandante da tropa. Quando Raquel tirou a vestimenta, causou espanto e admiração.
“Hoje, com certeza, a gente vê a evolução que houve. Sem essas mulheres que vieram no passado não estaríamos aqui agora e é bem nítida a ascensão da mulher na Polícia Militar, de ocupar vários cargos e postos que até então não podia, ficava ali meio que restrito mesmo à questão de relações públicas ou mesmo em uma função administrativa mais escondida. Hoje não! Hoje a mulher que quer patrulhar, ela patrulha, a mulher que quiser entrar em uma tropa especializada, se for fazer o curso e concluir com êxito, vai poder exercer essa função na rua sem empecilho”, afirma.
Do quimono para a farda
De operadora da Bolsa de Valores a futura soldado. Quem poderia imaginar? Pra falar a verdade, Larissa Maíra Nunes de Rezende, de 28 anos, não via a hora de ser chamada pela Secretaria de Segurança Pública, depois de ser aprovada no cadastro de reserva do concurso de 2012. Mesmo tendo sido aprovada no disputado exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ela não queria saber de advogar. A espera durou quatro longos anos e agora, enfim, ela é aluna do Curso de Formação na Academia da Polícia Militar.
Serão seis meses e depois mais três de estágio probatório, período em que promete dar o melhor de si. Sexo frágil? Que nada! Larissa luta jiu-jitsu há seis anos e terá que lutar também contra o preconceito. É que no dia a dia acaba ouvindo brincadeiras de mau gosto. “Fico chateada porque algumas pessoas pensam que vamos seguir carreira no trabalho administrativo. A gente escuta piadinhas e é uma situação bem chata. Tem mulheres que não têm entusiasmo para se dedicarem à atividade tática, mas eu quero entrar em uma especializada. Durante as instruções, fiquei apaixonada pelo Batalhão de Choque”, confessa.
Ocupando espaço
Atualmente, 1031 mulheres integram os quadros da corporação, somando praças e oficiais. Segundo o assessor de comunicação da instituição, tenente-coronel Ricardo Mendes, o quantitativo equivale a cerca de 10% do efetivo, que é a cota mínima de vagas destinadas a elas exigida nos concursos públicos.
“Hoje a Polícia Militar conta em seu quadro com 10% das policiais femininas e elas ocupam cargos importantes em várias funções, dentre elas administrativas, operacionais, atividades-fim, atividades meio. Nós temos hoje médicas, odontólogas, explosivistas, oficiais que atendem ocorrências. Temos mulheres atuando em todas as áreas”, afirma
Mendes descarta distinção no que diz respeito à promoção de homens e mulheres. “O Comando da Polícia Militar do Estado de Goiás prestigia todas as mulheres, temos de soldado a coronel e em funções igualitárias, que concorrem em condições iguais com o sexo masculino. Não existe na Comissão de Promoção de Oficiais e Praças qualquer discriminação”, assegura.